Bilinguismo e saúde cerebral: falar dois idiomas pode trazer vantagens?

O estudo bilíngue, sobretudo desde a infância, traz benefícios como o adiamento do envelhecimento cognitivo e o aprimoramento da memória

Aprender um segundo idioma traz inúmeros benefícios. Angela Pasquali, pós-graduada em neurociência e coordenadora geral de Língua Inglesa da Rede Anglo Sul, em Santa Catarina, diz que esse aprendizado melhora as competências cognitivas. “Estou falando de memória, atenção, resolução de problemas e habilidades multitarefas, que hoje estão super em alta.”

Ela conta que essa aquisição da língua afeta a região do hipocampo, parte do cérebro responsável pela memorização. Além disso, as inúmeras doenças do envelhecimento, como o Mal de Parkinson e o Alzheimer, são retardadas devido à ativação de diferentes áreas da mente. Essas vantagens são ainda mais visíveis quando os estudos bilíngues são iniciados na infância.

Por que é importante iniciar os estudos bilíngues o mais cedo possível?

Angela cita o autor americano Stephen Krashen. “Ele é como se fosse o pai do bilinguismo infantil”, explica. O especialista afirma que, quando um indivíduo é exposto a uma língua desde a primeira infância (early childhood), ele não aprende um novo idioma, mas sim o adquire.

Existe um longo estudo feito por ele sobre a diferença entre aquisição de linguagem e aprendizado de um novo idioma. “É totalmente diferente”, destaca a coordenadora. Nos anos iniciais do desenvolvimento humano, acontece a aquisição, que é quase subconsciente. “A criança é exposta de uma maneira tão natural que nem se dá conta. A aquisição do idioma torna-se parte dela e algo tão instintivo quanto caminhar. Já o aprender é algo robótico, mecânico, consciente.”

O processo de aquisição traz um impacto muito grande até a velhice dessa criança. “Se olharmos, por meio da ressonância magnética, um córtex de uma criança que foi exposta a mais de um idioma, ela terá mais áreas no cérebro ativadas do que uma criança exposta a só um idioma. E isso traz benefícios de memória a longo prazo”, aponta Angela.

Assim, o cérebro bilíngue é diferente de um cérebro de uma pessoa que fala apenas uma língua. E, além dessas ativações de áreas diferentes, uma criança exposta desde cedo a um segundo idioma pode conseguir resolver conflitos de uma maneira mais eficaz do que alguém que não foi exposto. “É incrível. As vantagens vão além de saber outra língua, falar outro idioma e ter um cérebro ativado em áreas diferentes. Ela ainda estará colhendo benefícios lá na velhice, com o retardamento de doenças, e terá um cérebro tão desenvolvido que vai ajudá-la até na resolução de problemas. Ou seja, é uma flexibilidade mental, vamos dizer assim”, resume Angela.

A influência de um currículo escolar adaptado

Uma das principais oportunidades de desenvolvimento que uma escola com currículo bilíngue pode oferecer aos seus alunos é o relacionamento com os colegas. “Porque o aluno não está sendo exposto a um segundo idioma apenas entre ele e o professor (teacher). Ele está interagindo com todos naquele ambiente. Podemos falar de inúmeras pesquisas sobre a relação entre interação e cognição, sobre os benefícios da interação, de como aprender com o outro”, salienta Angela.

Ao adquirir a linguagem, há o fenômeno do input, o conjunto de dados que o indivíduo recebe em relação ao idioma, como a leitura e a escuta (reading and listening). Ao conversar com outras pessoas, será possível desenvolver o output, que é a produção de material linguístico, como a escrita e a fala (writing and speaking).

Outro aspecto enriquecedor da interação tem a ver com os diferentes sotaques. De acordo com ela, não será um inglês britânico (British English), americano (American English) ou australiano (Australian English). Será um inglês global (Global English), em que cada pessoa de diferentes regiões do Brasil e do mundo colocará seu sotaque (accent). “Isso traz uma abordagem cognitiva de união, de aprender com o colega, de expor o aprendizado, de ter input e output, de desenvolver técnicas de discussão, de debate, de exposição do idioma. É riquíssimo”, ressalta a especialista.

A prática constante também impede que o aprendizado seja esquecido. “Existem casos de crianças que trocam de país e perdem o idioma nativo depois de anos, porque não estão mais interagindo naquela língua. Por isso, é preciso ‘afinar o instrumento’”.

Dentro da sala de aula, ao interagirem, os alunos colocam esses benefícios em ação. “É o que instiga os colegas a querer conversar em inglês porque estão vendo o outro”. Angela cita, também, o fenômeno do neurônio espelho. “Se eu bocejar aqui, você terá vontade de bocejar aí. Se os meus colegas estão todos falando em inglês, discutindo sobre algum assunto ou jogando em inglês, eu também vou querer fazer parte disso”, conclui.

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